Sentença favorável em ação movida pelo CRBM2 contra o CRTR-Ceará
PROCESSO Nº 0803503-13.2013.4.05.8100.
CLASSE – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO.
IMPETRANTE: CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA DA 2ª REGIÃO.
IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DOS TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA 2ª REGIÂO.
EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DE RADIOLOGIA.
POSSIBILIDADE DE DESEMPENHO POR BIOMÉDICOS, CONSOANTE AUTORIZAÇÃO
LEGAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE EXERCÍCIO ILEGAL DA PROFISSÃO. ILEGALIDADE
DAS AUTUAÇÕES FORMALIZADAS PELO CONSELHO REGIONAL DOS TÉCNICOS EM
RADIOLOGIA EM RELAÇÃO A PROFISSIONAIS QUE SÃO FILIADOS AO CONSELHO
REGIONAL DE BIOMEDICINA. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
1. RELATÓRIO
Trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo CONSELHO REGIONAL DE
BIOMEDICINA DA 2ª REGIÃO em face do PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DOS
TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA 2ª REGIÃO (CRTR2), objetivando provimento
jurisdicional liminar que determine a imediata suspensão dos efeitos das
autuações e multas eventualmente aplicadas pela autoridade Impetrada
aos biomédicos substituídos sub a justificativa de atuarem na seara da
radiologia sem inscrição no CRTR2, bem como abster-se de lavrar novas
autuações e boletins de ocorrência policiais contra os substituídos por
igual razão.
Aduz o Conselho Impetrante que os biomédicos detêm autorização legal
para atuarem na área de radiologia, em todas as suas modalidades – vide
art. 5º da Lei nº 6.684/1979, bem como os artigos 2º, 3º e 4º do Decreto
Federal n.º 88.439, de 28.06.1983 -, portanto, não precisam promover
sua inscrição no CRTR2 para o desempenho de suas atividades
profissionais nesta área médica.
Nada obstante, o CRTR2 vem lavrando auto de infrações contra os
Biomédicos que exercem a radiologia, por suposto exercício ilegal da
profissão de Técnicos em Radiologia, o que entende o Conselho Impetrante
configurar abuso de direito e afronta ao livre exercício da profissão
biomédica.
Em 12/12/2013, foi deferido o pleito liminar para que a autoridade
impetrada suspendesse os efeitos das autuações e multas impostas aos
profissionais biomédicos regularmente inscritos no Conselho Regional de
Biomedicina da 2ª Região por atuarem na habilitação de radiologia, sob o
fundamento de exercício ilegal da profissão, devendo ainda abster-se de
promover a lavratura de novas autuações, com base em idêntico
fundamento, sob pena de aplicação de multa e apuração de
responsabilidade.
Não foi desafiado agravo em face da decisão acima (vide certidão de decurso de prazo aposta em 15/01/2014).
Notificada, a autoridade impetrada prestou suas informações em
06/01/2014, defendendo, em síntese, a legalidade de sua atuação, em
razão de sua existência colimando o bem-estar do profissional da área e
da própria sociedade, diante dos cuidados exigidos aos expostos à
radiação ionizante.
Instado a manifestar-se, o Ministério Público Federal nada apresentou (vide certidão de decurso de prazo aposta em 06/02/2014.
Assim vieram-me os autos conclusos para julgamento.
Era o que de mais importante havia para relatar. Passo a decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
A cognição exauriente ora realizada ratifica aquela efetivada em sede preliminar.
O cerne da presente lide cinge-se em verificar se os biomédicos estão
habilitados para realizarem serviços na área de Radiologia. No entender
do Conselho Regional dos Técnicos em Radiologia, deveriam tais
profissionais estar inscritos nos seus quadros para que pudessem
desempenhar regularmente serviços na área de radiologia.
É cediço que o livre exercício profissional, conquanto seja um direito
fundamental assegurado pela Constituição da República em seu art. 5º,
inciso XIII, pode ter seu âmbito de atuação restringido por meio de lei
que estabeleça quais os critérios que habilitam o profissional ao
desempenho de determinada atividade, visando, assim, por meio do
aferimento de sua capacitação profissional, a garantir a proteção da
sociedade.
Entretanto, da análise da legislação aplicável aos profissionais
biomédicos, vê-se que, uma vez inscritos no seu conselho profissional
respectivo, estão plenamente habilitados para o desempenho de atividades
na área de radiologia.
É que a Lei Federal nº 6.684/1979, que instituiu a profissão biomédica,
elencou em seu art. 5º, dentre as atribuições do biomédico, a realização
de serviços de radiografia e de radiodiagnóstico, in verbis:
“Art. 5º – Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros
profissionais igualmente habilitados na forma da legislação específica, o
Biomédico poderá:
I – realizar análises físico-químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio ambiente;
II – realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação;
III – atuar, sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de
radiodiagnóstico e de outros para os quais esteja legalmente
habilitado;” (grifamos).
Previsão semelhante de atuação dos biomédicos na área de radiografia
também pode ser encontrada no art. 4º do Decreto Federal n.º 88.439, de
28.06.1983, que prescreveu, em seu art. 1º, que o Biomédico somente
poderá atuar se for portador da Carteira de Identidade Profissional,
expedida pelo Conselho Regional de Biomedicina da respectiva jurisdição.
A Resolução nº 78, de 29 de abril de 2002 do Conselho Federal de
Biomedicina normatizou o art. 4º do Decreto Federal n.º 88.439, de
28.06.1983, mencionado acima, nos seguintes termos:
Art. 6º – Normatiza-se o artigo 4º, inciso III do Decreto nº 88.439/83,
no tocante aos biomédicos que atuarem, sob supervisão médica, em
serviços de radiodiagnóstico e radioterapia, pela presente resolução.
§ 1º – Consideram-se como atividades em Radiodiagnóstico, os
profissionais que atuarem, sob supervisão médica, na operação de
equipamentos e sistemas médicos de diagnóstico por imagem, nas seguintes
modalidades: Tomografia Computadorizada; Ressonância Magnética;
Ultrassonografia; Radiologia Vascular e Intervencionista; Radiologia
Pediátrica; Mamografia; Densitometria Óssea; Neuroradiologia; Medicina
Nuclear; Outras modalidades que possam complementar esta área de
atuação.
§ 2º – Poderão exercer as atividades descritas acima, os profissionais legalmente habilitados em Radiologia, Imagenologia, Biofísica e/ou Instrumentação Médica.
§ 3º – Consideram-se como atividade em Radioterapia, os profissionais
que atuarem, sob supervisão médica, na operação de equipamentos de
diferentes fontes de energia, para tratamentos que utilizam radiações.
Já a profissão dos técnicos em radiologia é regulada pela Lei nº
7.394/85, caracterizando-se, nos termos do seu art. 1º, pela operação de
aparelhos de Raios X utilizando-se de técnicas de radiologia,
radioterapia e radioisotopia, o qual, em nenhum momento, vedou o
exercício das atividades de radiologia por outros profissionais
igualmente ou habilitados e autorizados.
Vê-se, assim, que nos termos das legislações que regem as profissões em
comento têm elas uma área de atuação coincidente, não se podendo supor
que a Lei nº 7.394/85 teria revogado a Lei nº 6.684/79, na medida em que
não assegurou exclusividade profissional ao técnico de radiologia, cuja
atividade pode coexistir com a do biomédico que, a teor da legislação
mais antiga, também realiza exames de radiografia. Demais disso, a Lei
nº 6.684/79, ao ser editada, já contemplou a compatibilização da
profissão de Biomédico com as de outros profissionais que viessem
futuramente a exercer serviços de radiodiagnósticos.
Assim, considerando que a formação em Biomedicina habilita os
profissionais para a realização de serviços de radiografia e de
radiodiagnóstico, não há argumentação substancial para que se exija dos
Biomédicos regularmente inscritos no Conselho Regional de Biomedicina da
2ª Região um segundo registro no Conselho Regional de Técnicos de
Radiologia da 2ª Região.
A esse respeito, transcrevo os seguintes julgados que se aplicam à hipótese dos autos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – ART.
273, CPC – SERVIÇOS DE RADIOLOGIA – BIOMÉDICOS – TÉCNICOS EM RADIOLOGIA –
VEROSSIMILHANÇA – PERIGO NA DEMORA – POSSIBILIDADE – RECURSO IMPROVIDO.
1.A antecipação da tutela, prevista no art. 273 , CPC, exige como
requisitos autorizadores: prova inequívoca e verossimilhança do alegado,
havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e ou
que fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto
propósito protelatório.
2. A verossimilhança é o pressuposto que se refere à alegação do direito
do demandante e a prova inequívoca pertine à documentação acostada e
que deverá ser analisada a fim de caracterizar a probabilidade daquilo
que foi alegado. Trata-se de um Juízo provável sobre o direito do autor,
é o fumus boni iuris..Faz-se mister, ainda, verificar a presença de
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in
mora).
3.De rigor a apreciação da prova inequívoca e verossimilhança
(pressupostos) e que haja fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou
o manifesto propósito protelatório do réu (requisitos alternativos).
4.Trata-se de ação ordinária na qual o autor/agravado CONSELHO REGIONAL
DE BIOMEDICINA DA 1ª REGIÃO busca provimento judicial com o fim de
determinar ao Conselho Regional de Técnicos em Radiologia da 12ª Região –
CRTR/MS que se abstenha de fiscalizar e de autuar, impor ou cobrar
multa, sob o fundamento de exercício ilegal da profissão.
5.Caso semelhante, portanto, ao discutido na Apelação Cível nº 0008136-53.2007.4.03.6100/SP.
6.Os Conselhos de profissões regulamentadas têm dentre os seus objetivos
não apenas a fiscalização dos inscritos em seus quadros, mas também a
defesa da sociedade, sob o ponto de vista ético, uma vez que esta
necessita de órgãos que a defenda contra os profissionais não
habilitados ou despreparados para o exercício da profissão.
7.O Decreto nº 88.439, de 28 de junho de 1983, que dispõe sobre a
regulamentação do exercício da profissão de Biomédico, de acordo com a
Lei nº 6.684/79 e em conformidade com a alteração estabelecida pela Lei
nº 7.017/82, prescreve em seu artigo 1º que o Biomédico somente poderá
atuar se for portador da Carteira de Identidade Profissional, expedida
pelo Conselho Regional de Biomedicina da respectiva jurisdição.
8.Já outros artigos do referido Decreto e da Lei nº 6.684/79 estabelecem
quais são as atividades que os Biomédicos podem atuar, ressaltando não
haver prejuízo do exercício das mesmas por outros profissionais, desde
que igualmente habilitados na forma da legislação específica.
9.Tendo-se em vista o princípio da legalidade privada, qualquer
restrição ao direito do cidadão deve estar consignada em lei strictus
sensu, sob pena de violação do artigo 5º, inciso XIII, da Constituição
Federal.
10.Da análise da legislação pertinente ao caso, foi possível verificar
que poderá o Biomédico atuar em equipes de saúde, a nível tecnológico,
nas atividades complementares de diagnósticos, realizar análises
físico-químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio
ambiente, realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação,
atuar, sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de
radiodiagnostico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado,
planejar e executar pesquisas científicas em instituições públicas e
privadas, na área de sua especialidade profissional, condicionado para o
desempenho de algumas dessas atividades apresentação de currículo que o
capacite. 11.Verificando a verossimilhança nas alegações da autora, bem
como o perigo na demora, consubstanciada na possibilidade de cobrança
de multas aplicadas, possibilidade de antecipação da tutela, nos termos
do art. 273, CPC, não merecendo reforma a decisão agravada. 12.Agravo de
instrumento improvido.(TRF-3 – AI: 11919 MS 0011919-15.2010.4.03.0000,
Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, Data de Julgamento:
05/09/2013, TERCEIRA TURMA).
CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA – CRTR/SP – DECRETO nº
88.439 – LEI nº 6.684/79 – LEI nº 7.017/82 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE –
ATUAÇÃO DO BIOMÉDICO – FUNÇÕES DO TÉCNICO EM RADILOGIA.
Os Conselhos de profissões regulamentadas têm dentre os seus objetivos
não apenas a fiscalização dos inscritos em seus quadros, mas também a
defesa da sociedade.
O Decreto nº 88.439/83 prescreve em seu artigo 1º que o Biomédico
somente poderá atuar se for portador da Carteira de Identidade
Profissional, expedida pelo Conselho Regional de Biomedicina da
respectiva jurisdição.
Outros artigos do referido Decreto e da Lei nº 6.684/79 estabelecem
quais são as atividades que os Biomédicos podem atuar, ressaltando não
haver prejuízo do exercício das mesmas por outros profissionais, desde
que habilitados na forma da legislação específica.
Da análise da legislação pertinente ao caso, foi possível verificar que
poderá o Biomédico atuar em equipes de saúde, a nível tecnológico, nas
atividades complementares de diagnósticos, realizar análises
físico-químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio
ambiente, realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação,
atuar, sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de
radiodiagnostico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado,
planejar e executar pesquisas científicas em instituições públicas e
privadas, na área de sua especialidade profissional, condicionado para o
desempenho de algumas dessas atividades apresentação de currículo que o
capacite.
O Conselho Regional de Técnicos em Radiologia da 5ª Região – CRTR/SP
lavrou auto de infração alegando a prestação de serviços por Biomédicos
inerentes à função de Técnico em Radiologia sem o devido registro
perante os seus quadros.
Com base nos autos de infração pode-se inferir a ilegalidade do ato,
posto que as irregularidades constatadas enquadram-se dentre as
atribuições previstas na legislação que rege a profissão de Biomédico.
Quanto ao apelo do Sindicato dos Biomédicos Profissionais do Estado de São Paulo, entendo que sentença a quo deve ser mantida.
Não há argumentação substancial para que se exija dos Biomédicos,
inscritos no Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região, o registro
no Conselho Regional de Radiologia da 5ª Região, o que caracterizaria
duplo registro, bem como a fixação da verba honorária sobre o valor da
condenação. Apelações não providas. (TRF3, AC n.º
0008136-53.2007.4.03.6100, Rel. Des. Fed. NERY JUNIOR, Terceira Turma,
j. 24/06/2010, e-DJF3 16/09/2011, p. 1130)
Ademais, cumpre ressaltar que a fiscalização e a imposição de
penalidades aos biomédicos compete ao respectivo Conselho, instituído
por lei, e não ao Conselho dos Técnicos em Radiologia. A este caberia
apenas o direito de denunciar às autoridades competentes e
principalmente à instituição responsável sobre o exercício irregular da
profissão, motivo pelo qual entendo ilegítima a aplicação das multas
pela Ré contra filiados de outro órgão, tendo em vista que cada Conselho
tem sua competência para fiscalizar e autuar seus próprios filiados, no
que restou configurado ter o Conselho Regional de Técnicos em
Radiologia da 2ª Região extrapolado de sua competência.
3. DISPOSITIVO
Diante do exposto, CONCEDO A SEGURANÇA requestada, ratificando os
efeitos da liminar outrora deferida, para declarar a ilegalidade das
autuações e multas impostas pelo conselho profissional presidido pela
autoridade impetrada aos profissionais biomédicos regularmente
inscritos no Conselho Regional de Biomedicina da 2ª Região por atuarem
na habilitação de radiologia, sob o fundamento de exercício ilegal da
profissão, de forma que os débitos respectivos sejam considerados
inexistentes, e as autuações, canceladas. Determino ainda à autoridade
impetrada que se abstenha de promover a lavratura de novas autuações,
com base em idêntico fundamento, sob pena de aplicação de multa e
apuração de responsabilidade.
Custas ex lege. Sem honorários (Súmulas 105 do STJ e 512 do STF).
Duplo grau de jurisdição obrigatório.
P.R.I.
Elise Avesque Frota
Juíza Federal Substituta da 8ª Vara.